Poesias

OLHAR DE TRAVÉS

Antes que outro te escravize,
e para que não eduques o exorável, o feliz
escravo em ti, e presa destes tempos obedientes,
levanta-te de tuas águas interinas,
liberta de ti toda a coragem, os brios,
mesmo contra as conciliadas humilhações do Destino,
mesmo contra as não cicatrizadas feridas da palavra,
liberta de ti as mulas da desobediência
para que outro não te escravize,
e para que não escravizes a ti próprio
liberta, em atropelo, os animais do desejo,
todos os revides em marcha, e perdoando,
mesmo contra os que recusam todas as entregas,
todos os escambos,mesmo contra os que te usam
como montaria na hora do desamparo,
na hora da vergonha, na hora inútil
e ainda assim perdoando, mas cavalgando
sempre, como um assassino em busca da confissão.

Antes que outro te escravize
liberta de ti o sonho esquerdo,
deixa a vida dissipar-se em alegrias
sem que precises dobrar o joelho direito -
deixa a vida te pescar chegado o dia,
levar esse cavalo, tua outra sombra a pastar,
deixa a morte e amante crescer dentro de ti.
Deixa assim a vida te levar serenamente
nuns augúrios ao ouvires um bater de asas,
um roçar, um doce ímpeto atendido,
um súbito olhar de través - eis chegada
a morte como peixes, como éguas,
os desejos soltos como a esperança,
um olhar de través e derradeiro, de outra morte.


20/04/2010

 

 

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